sábado, 3 de janeiro de 2015

O Negro na Formação do Rio Grande do Sul

O Negro na Formação do Rio Grande do Sul

Ao optar por trabalhar este tema, o fiz por julgar um dever de justiça e não por simples prazer passageiro.
Falar sobre o elemento negro, em todas as suas dimensões, é um desafio. È tão desafiante, quanto necessário fazer uma abordagem abrangente.
A História do Rio Grande do Sul, tanto quanto a História do Brasil, silenciou a participação do Negro, mas omitiu capítulos decisivos na formação da sua gente, negando aos negros o direito de, ao menos, serem citados como construtores braçais desse grande povo.
Dante de Laytano afirma com muita propriedade, que tanto a História quanto a Literatura Gaúcha, ocupou-se do Negro apenas de forma acidental, ligeira e negligentemente, o que não vem a ser uma denúncia infundada.
De fato, a escravidão não é uma página de glória para o Brasil e nem para o povo brasileiro, pois nossa historiografia registra a escravidão negra, e muito demorou em abolir esta forma de discriminação. Foi o campeão em tráfico negreiro, explorou por mais de três séculos o homem servil, depois proclamou uma abolição para “satisfazer o branco” e não para libertar o negro, com inclusão social para uma vida construtiva, com uma existência digna.
No Rio Grande do Sul, não poderia ter sido muito diferente do restante do Brasil. Tudo aconteceu da mesma forma, porém em proporções menores. O Negro foi escravo, foi sofrido, desprezado. Sua contribuição à formação da nossa gente, da nossa terra é pouco esclarecida.
O historiador Guilhermino César, em 1970, foi o primeiro a colocar o “Negro em destaque entre os elementos formadores da etnia gaúcha”.
Cabe a cada gaúcho, após um século de “Abolição” dar ao negro, elemento integrante da miscigenação e muito importante na formação do masaico cultural do Rio Grande gaúcho e brasileiro, o lugar que ele bem merece como construtor deste grande torrão.
Verificando a sua contribuição em todos os campos da construção sócio-econômica do Rio Grande, não podemos continuar omissos e ignorantes quanto ao papel preponderante que o negro desempenhou em nossa sociedade, em nossa formação sócio-cultural.
O negro entrou no Rio Grande do Sul com a ocupação portuguesa, pois esses e os luso-brasileiros já tinham se acostumado a ter escravos e não podiam dispensá-los nos seus trabalhos.
Não existem dados precisos quanto à data exata de ingresso dos primeiros negros, dos primeiros escravos africanos no Rio Grande do Sul, porém é certo que, com a chegada dos primeiros povoadores, ele já esteve presente, abrindo picada, fazendo pinguelas, etc.
O historiador Mário José Maestri Filho assim escreveu: “o escravo negro estabeleceu-se no atual território gaúcho antes do início da ocupação oficial do sul (1737). Portanto quando os primeiros povoadores, que para cá vieram, já o trouxeram na condição de escravo”.
Há citações de historiadores, que afirmam essa presença já na fundação da Colônia do Sacramento, em 1680. O contingente era composto de duzentos homens, sendo sessenta escravos negros, e destes quarenta e oito eram “propriedade” de Manuel Lobo, comandante da referida expedição.
Têm-se indícios de que negros fugidos da Colônia do Sacramento e até mesmo de Buenos Aires, além dos vindos do litoral paulista e lagunense, se embrenharam nas matas do território rio-grandense.
É seguro afirmar que, no mínimo, o escravo negro entrou no nosso Estado carregando a bagagem do luso-brasileiro, para que o mesmo aqui se instalasse. Foi esse negro tão pouco valorizado, que deu condições para o branco se aquerenciar, viver e prosperar.
Referindo-se ao negro, Maestri Filho registra que, foi a partir de 1680, que o cativo desempenhou essencial papel na História do Brasil Meridional. Ele foi singular ”mercadoria” para o contrabando do Prata; trabalhou na Colônia e arredores; participou das lides, que defrontaram as duas Coroas. Desde esta época, os primeiros negros cativos foram forçados a singrarem as águas costeiras ou ainda a cortarem o território gaúcho, indo ou vindo de Sacramento. Alguns deles poderiam ter se fixado nos pampas interiores, quando das fugas coletivas ou individuais da Colônia do Sacramento.
Embora não se precise com exatidão a chegada do negro no Rio Grande do Sul, sabe-se que desde os primórdios da sua formação, e em toda a sua trajetória, ele foi presença marcante e indispensável na ocupação portuguesa, pois esses e os luso-brasileiros já tinham se acostumado com escravos e não podiam dispensá-los nos seus trabalhos.
O certo é que não se pode contar a História do Rio Grande do Sul sem falar na participação marcante do negro, que segurou as luzes, fez o papel e alcançou o lápis para que seu amo a escrevesse.
O elemento negro esteve junto no povoamento, na delimitação de fronteiras, na afirmação do nosso Estado. Foi um dos arquitetos da sociedade rio-grandense, tão importante quanto aos demais colonizadores que aqui aportaram.  A dispersão espacial do negro deu-se do litoral para o interior, atingindo a Campanha e a Depressão Central, a partir dos eixos de irradiação com base em Rio Grande. No principal deles, os escravos eram levados para Pelotas, Canguçu, Piratini e Jaguarão. O outro incluía São José do Norte, Viamão, Triunfo e Taquari.
Descendentes de africanos, mas nascidos no Brasil eram chamados de “crioulos” e os recentemente trazidos da África eram chamados de “novos” e depois de algum tempo que estavam aqui, chamavam-nos de “ladinos”. Geralmente usavam apenas o nome e a ele apenas acrescentavam a profissão ou o local de origem.
A utilização do braço escravo surgiu como um imperativo econômico inevitável para os portugueses na fase colonial do Brasil e ocupação do Rio Grande do Sul. O índio não se prestou para o sistema de trabalho forçado, daí a busca do negro para garantir a sustentação da incipiente economia.
A presença do negro na pecuária é uma tanto controvertida. Há quem afirme que pelo tipo de pecuária que era desenvolvida aqui: pastoreio extensivo e reprodução natural ocupavam número reduzido de trabalhadores. Os guaranis “missioneiros” e os “gaúchos castelhanos” foram, sempre que possível, incorporados às práticas pastoris. Era mais econômico empregar homens livres, os “peões” do que entregar um cavalo e arma nas mãos do cativo, que sedento de liberdade poderia não mais voltar, dando prejuízo do seu próprio custo, do animal e da armas.
Outros afirmam que isso não significa a ausência do escravo africano na vida da estância, especialmente na vida doméstica como cozinheiro, carregador de lenha e de água, artífice e guarda da fazenda na ausência dos seus senhores.
Em relação ao negro no trabalho, Danilo Lazzarotto, refere-se que “o trabalho nas estâncias, por ser fácil e mesmo agradável, foi aceito pelos estancieiros, os quais o executavam com sua família e uns poucos auxiliares, geralmente escravos”.
Nas estâncias o negro era mais bem tratado, geralmente encarregado do serviço doméstico. As mulheres dedicavam-se a lavar, passar, engomar, cozinhar, criar os “sinhozinhos” e as “sinhazinhas” dando, não apenas o seu suor, as suas lágrimas, o seu sangue, mas o seu leite materno, tirando da boca dos seus, para amamentar os filhos dos seus patrões, dos seus amos.
A participação do negro na agricultura rio-grandense foi indiscutível. O braço escravo foi utilizado nos trabalhos mais pesados, como a derrubada de matas abertura de estradas, preparando manualmente a terra, plantando principalmente o trigo na região de Piratini e Bagé, colhendo, moendo, carregando, varando rios e até comercializando nos núcleos urbanos como Porto Alegre, Rio Grande, Pelotas, Rio Pardo e outros tantos.
No Rio Grande antigo, haviam propriedades voltadas para agricultura de subsistência e agricultura mercantil além da criação e nelas o negro foi presença destacada e imprescindível.
Assim diz Maestri: “As fazendas de criação, principalmente as mais ricas, comportavam tarefas, que quase constituíam ”privilégio” da classe servil. Nas estâncias, via de regra, o negro gozava da mesma liberdade e tinha as mesmas regalias dos seus pares brancos.
É certo que algumas estâncias possuíam senzalas, troncos, correntes e outros instrumentos de tortura, mas isto foi exceção.
Daí entender-se não haver a tentativa de fuga e o escravo sentir-se até protegido pelo seu dono, o que difere um pouco das relações escravistas do resto do Brasil.
A marca maior do escravo no Rio Grande do Sul foi na sustentação da nascente indústria gaúcha: as charqueadas, onde praticamente faziam tudo e de tudo, desde a montagem dos edifícios, trabalhando como pedreiro, carpinteiro. Ainda era o matador dos animais, o sangrador, o curtidor. O negro carneou, salgou, pesou e transportou mantas, extraiu op sebo, apurou a graxa.Foi ele, indiscutivelmente o grande responsável pela economia da época. Como se não bastasse, ainda lhe cabia a execução das atividades domésticas na casa do seu dono.
Tratado com severidade, tendo sempre em vista apenas o lucro do patrão. Somente o negro forte tinha a resistência para desempenhar os duros serviços da indústria saladeril. Tarefas exaustiva e desgastante, por isso só o escravo resistia a tanta rudeza e sacrifício.
“Durante mais de cem anos, esta atividade apoiou-se às costas e o suor do homem negro escravizado, o que por si só já o coloca como um dos pilares da sociedade gaúcha”. (Maestri)
Saint-Hilaire diz, que “Cerca de oitenta negros ocupavam-se na construção do curtume e depois nele trabalharão”.
Na formação do Rio Grande do Sul, a historiografia registra as constantes guerras com os espanhóis e nestas o negro teve importantíssimo papel e, se foi desconhecido pelos nossos historiadores, não escapou aos olhos dos observadores estrangeiros como os de Saint-Hilaire, que os denominou como sendo eles “os mais valentes soldados de Artigas”. Nicolau Dreys assim refere-se: “o negro é bom soldado e talvez seja a única profissão para que ele é naturalmente próprio”, e os denomina “os suíços da América”.
O negro também teve participação efetiva na história guerreira do Rio Grande do Sul, não sendo menos importante que as demais, pois foi a mão de obra na demarcação dos limites de fronteira, foi o soldado em todas as guerras, desde a Guerra Guaranítica, a Revolução Farroupilha, a Revolução Federalista e tantas outras, que constituem a vocação guerreira do nosso pago. A cada guerra,  que os estancieiros iam ao combate, eram acompanhados por todos os escravos aptos para a guerra. Sua presença no exército é registrada de forma indireta e sempre através das ordem de campanha de alguns oficiais, onde vêem os pesados castigos a que eram submetidos os escravos, mesmo por faltas leves.
Adalberto Schmidt assim se refere: “Desde o período colonial o negro sempre participou das tropas militares, porém são os Farroupilhas os primeiros a reconhecerem devidamente a sua colaboração. Nas tropas farrapas os negros das zonas agrícolas destinavam-se à infantaria, enquanto a cavalaria era formada pelos elementos das estâncias. O negro, uma vez incorporado ao serviço militar, passava a ser cidadão livre e qualquer oficial era castigado caso maltratasse o homem de cor”.
Danilo Lazzarotto acrescenta: “O exército foi o grande aproximador dos brancos com os escravos: lutavam juntos, acampavam no mesmo barraco, tomavam mate na mesma cuia, acostumavam se admirar um do outro a coragem e o heroísmo. Ali o negro era mais do que servo”.
Os escravos negros tiveram lugar de vanguarda nas lutas farroupilhas. Foram lutadores de extrema dedicação, libertos ou não, colaboraram com o que hoje chamaríamos “apoio logístico”, atendendo provimento da tropa, as munições, os animais encilhados, os vigias, os estafetas, etc. Se os negros não foram os idealizadores dos combates, também deles não recuaram, assim registra a História: no avanço sobre a capital em 20 de junho, em 30 de julho e no cerco de Pelotas em 1936.
O Major João Manoel de Lima e Silva comandou a 1ª legião de escravos, que entrou em Pelotas.
A atuação decisiva do maior lanceiro que o Rio Grande conheceu, Teixeira Nunes, o bravo dos bravos, com o destemido grupo de lanceiros negros é que deram o sustentáculo para a Proclamação da Republica Rio-Grandense nos rincões do Seival.
O feito da Revolução Farroupilha, ainda muito obscura e pouco contado, foi a injustiça cometida contra os guerreiros negros na Surpresa de Porongos, onde farroupilhas e imperiais negaram armas para que os mesmos pudessem se defender e assim exterminarem, na escuridão da noite, todos os negros ali acampados. Foi um verdadeiro massacre, foi também um dos derradeiros ataques do decênio tão heróico.
Os farroupilhas não esqueceram dos escravos, que lutaram lado a lado pelos ideais republicanos, pois no Acordo de Paz, entre as cláusulas está: “São livres, e como tais reconhecidos todos os cativos que serviram na Revolução”.
Mesmo assim, sabe-se que houve discriminação do negro no exército farroupilha, pois o negro só podia incorporar-se à infantaria e nunca a cavalaria.    
Por tudo isso a nossa sociedade deveria ser imensamente agradecida. Se a História não registra grandes feitos realizados pelo Homem de cor, mas só essa doação e fidelidade: encilhando o cavalo, transportando a família, protegendo a estância, sendo guarda-costa do seu dono, já mereceria um registro especial e um profundo agradecimento.

A Campanha Abolicionista

O negro foi escravo não por assim desejou, muito pelo contrário, desde o início do vergonhoso tráfico negreiro, ele bradou o seu grito de protesto, o que se constituiu o grande artífice da busca da sua libertação.
É por todos conhecidos que a submissão do negro em toda sua vida escravocrata foi quebrado por diversas vezes.
As reações afetivas do comportamento do escravo variavam desde a mais completa dedicação até às atitudes de grande rebeldia, chegando inclusive à violência.
Seu valente protesto se constatava na indolência ao trabalho, nas fugas, no suicídio, na formação dos quilombos, nas insurreições urbanas e em outras manifestações que gradativamente foram encontrando eco nos mais diversos segmentos sociais.
Cada manifestação destas merece uma análise mais cuidadosa, considerando-se as causas e as conseqüências, por ex.: Por que o negro era considerado “preguiçoso”, fujão, perigoso, revoltado, insurreto? Essas são falsas atribuições porque ele era assim, não por ser negro, mas por ser miseravelmente escravizado.
Comprova o contrário a formação dos QUILOMBOS, que embora não existam dados objetivos, é certo que existiram muitos, especialmente nas cercanias dos principais pólos escravistas da Província: Pelotas, Rio Grande, Porto Alegre, Rio Pardo, Piratini e outros.
QUILOMBOS eram comunidades de escravos fugitivos, estabelecidos em um ermo qualquer, formando pequenas comunidades, onde o principal objetivo era sobreviver com dignidade e conseguir meios seguros de libertar-se e libertar sua raça da escravidão. Na vida de quilombos, o negro demonstrou capacidade de organização, liderança, participação nas decisões, produção de sobrevivência e espírito de brasilidade. Infelizmente foram exterminados, porque representavam uma ameaça aos senhores escravagistas.
As idéias de libertação são frutos da Revolução Industrial, que precisava, de um lado, trabalhadores de maior confiança a quem se pudesse confiar as máquinas, e, por outro, de consumidores de seus produtos que o pagamento de salário permitiria.
No RS, o Movimento Abolicionista iniciou cedo porque o sentimento de abolição foi da índole rio-grandense. Quase todos os proprietários, que faziam uso do trabalho servil, libertavam seus próprios escravos. Também encontrou guarida graças a  repercussão favorável em diversos municípios. O Partido Liberal colocava como questão prioritária no seu programa em 1879 e em 29 de agosto, o Conde de Porto Alegre fundava a Sociedade Libertadora, com o objetivo de pregar a libertação das crianças escravas. 
No entanto, algumas forças favoreceram a campanha em prol da abolição: “Os republicanos davam aos negros escravos o próprio direito de cidadania, bastando que eles aderissem à causa e formassem fileiras nos seus exércitos. A facção contrária procurou atrair os escravos, oferecendo-lhes as mesmas regalias de libertação aos negros” (Dante de Laytano).
A imprensa cerrou fileiras em prol da campanha, destacando-se a “Discussão” de Pelotas, primeiro jornal a incluir, na sua programação, a libertação dos escravos, e não aceitando anúncios de fugas e negócios de escravos. Logo foi seguido pelos jornais: A Reforma, Jornal do Comércio, O Mercantil, A Evolução, A Federação, todos de Porto Alegre e A Pena de Pelotas.
O charqueador pelotense Antônio José Gonçalves, em seu livro “Memórias Econômico-políticas”, também condenava a escravidão, porque menos produtiva que o trabalho livre e fonte de vícios e corrupção no seio das famílias.
O Partenon Literário teve participação ativa na campanha abolicionista, libertando menores. Comprou uma gleba de terras, dividiu-a em chácaras, que foram vendidas para comprar alforria de escravos. O novo arraial, criado em 1873, recebeu o nome de Partenon. Em 1883, o Partenon Literário criava o “Centro Abolicionista”, sendo logo seguido por toda a Província; promovendo inclusive a “Jornada Abolicionista”, em 1884, que alcançou grande sucesso.
Desta forma, o Partenon Literário, os Clubes Abolicionistas, principalmente o de Pelotas, a Igreja, através de muitas manifestações, as Confrarias, cuja irmandade assistia e dava segurança ao negro, resgatando a sua dignidade, a impressa da época deram uma contribuição fundamental a expansão das idéias libertárias do cativeiro rio-grandense.
O momento mais significativo e memorável do esforço libertador no RS foi o Movimento Emancipador do Negro na Província, em 1884, onde se processou a Abolição Escrava, quatro anos antes do Brasil como um todo. No início do ano de 1885, quase não havia mais escravos na província.
Passado mais de um século da data, que talvez pouco diga realmente porque realmente a Lei Áurea foi um processo utilizado pelos senhores para se livrarem, sem indenização, da mão de obra explorada por tanto tempo. A liberdade dada ao escravo não melhorou a sua situação existencial, resultando na marginalização social deste ser que, com sangue, suor e a duras penas também muito contribuiu na construção do Rio Grande Gaúcho.

Contribuição Cultural do Negro

Considerando a raça negra como um componente significativo na formação da sociedade sul-riograndense, embora menos que nas outras regiões do Brasil, não se pode menosprezar a sua contribuição em todas as áreas: cultural, artística, religiosa, culinária e folclórica.
Na vida cotidiana, o negro conviveu com o branco lado a lado, especialmente na estância, onde era encarregado do cuidado das crianças, das lides domésticas e de outras atividades. Crianças livres e escravas foram criadas juntas, aprendendo os mesmos costumes e maneiras. Por isso, muitos hábitos e costumes foram herdados pela convivência cotidiana com o negro, e nem nos damos conta disso.
Legados culturais: são muitos e diversificados, já pela própria origem dos negros oriundos de diversas regiões da África. Através da música, carnaval, samba e ritimos africanos; língua – o africanismo em nosso dialeto, tais como: anta angico, angu, banana, batuque, caçula, cachimbo, fandango, macaco, mulata, ; da lenda, como Negrinho do Pastoreio, Lagoa Negra,  credos, costumes diversos, muitas vezes até antagônicos entre si.
Na linguagem, herdamos expressões e termos como “Cabeça de porongo”, “Macaco velho não bota mão em cambuca”, “Porongo sempre dá cuia”, “Quem não tem medo de mandinga, não usa patuá”, “Mexer em casa de marimbondos”. Tudo isso foi incorporado em nosso linguajar diário. Termos como: anta, angico, angu, banana, batuque, bambaquerê, bombear, cacimba, caçula, cachimbo, fandango, matungo, macaco, monjolo, mulato, milonga, quitanda, sanga e muitas outras palavras de uso corrente do nosso falar.
Nas artes, também houve influências marcantes como o ritmo, os instrumentos, o carnaval. Instrumentos como o atabaque (tambor ou tamborinha), o berimbau, o sopapo-tambor de tamanho avantajado que se diz ter origem entre os negros rio-grandenses; o age (chocalho) bem conhecido e usado no RS.
Na alimentação – A gastronomia gaúcha foi temperada pelas mãos sábias das negras velhas,que se esmeravam para fazer gostosos quitutes em forno e fogão. Assim temos como herança – o mocotó, a feijoada, o quibebe, a pipoca, os molhos condimentados, as doçarias saborosas, além da culinária de cunho religioso e cheio de misticismo.
No vestuário – a mulher gaúcha assimilou com graça os adereços como brincos, colares, pulseiras, figas, chinelos, cabeção rendado, turbante, saias amplas e rodadas, babados e rendas, etc. Vale registrar, que negros dos Moçambique usavam bombachas ao invés de calças.
Nas festas populares e folguedos tradicionais – No carnaval, não se concebe a ausência do negro e do mulato. Nas festas religiosas como de N. Srª dos Navegantes, do Divino Espírito Santo, São Jorge, São Benedito, São Miguel, etc. o negro marca presença com toda a sua tradição.
Nos tipos populares – vendedores, cantadores, benzedeiras, parteiras, o “Tio Anastácio”, “Tio Domingos”, Nhô Venâncio, Nhá Donata, Siá Inácia, etc.
Na religiosidade: é grande a influência dos rituais africanos nas crendices populares do RS. Há diversos cultos afros num sincretismo com o cristianismo e o espiritismo, o mais conhecido no RS é o batuque praticado em terreiros de candomblé. Muitas crendices, como benzeduras, simpatias, uso de figas, etc, são heranças bem africanas ou afro-brasileiras.
No folclore – Além de tudo o que já foi citado, o negro legou ao nosso folclore um toque especial nas lendas, que todos nós conhecemos. Alem do Negrinho do Pastoreio – expressão mais alta da literatura oral rio-grandense, muitas outras como a do Negro Ressuscitado, Pai Manoel, Santa Josefa, Lagoa Negra e outras tantas que cada um conhece.
As nossas cantigas de ninar, de trabalho, de rodas, os brinquedos, os folguedos, tudo tem um pouco de colorido negro. Festa de Iemanjá, as Congadas de Osório, os Quicumbis e Moçambique de Mostardas, o Bumba-meu-Boi, já quase em extinção.
E assim ainda poderíamos enumerar uma série de contributivos afros aos nossos costumes, o pouco que ainda resta do muito que eles nos legaram e que tão pouco assimilamos daquilo que o tempo ainda não ofuscou.

Um Século de Luta para Sobrevivência da Raça

Após 150 anos de escravagismo no RS e pelo fato de o mesmo ter se antecipado na abolição dos escravos, não significa que tenha concedido aos negros o lugar de destaque que os mesmos mereceram.
Há mais de um século foi assinada a liberdade para os cativos, mas apesar disso o que se fez para integrar o negro na sociedade?
Será que atribuímos a ele o valor que tem por ter história e muito ter contribuído na formação do nosso estado?
Embora exista uma legislação ampla, que o proteja contra a discriminação racial, na prática, a sociedade o rejeita e das maneiras mais diversas e camufladas.
O negro na atualidade ainda luta para sobreviver numa sociedade de brancos, que o segrega e o menospreza em todas as circunstâncias. O preconceito não permite que o negro concorra em situação de igualdade com o branco, a não ser acidentalmente.
Afirmamos que não temos preconceitos, mas muitas vezes nos traímos, porque fomos habituados a expressões desdenhosas sobre os negros. Conhecemos uma infinidade de adágios, que considera o negro como um ser sub-humano.
Ao observar o tratamento que o negro recebe no contexto global da sociedade gaúcha, afirma-se: “O negro não foi imigrante, Foi somente escravo, trazido à força da África e largado após 13 de maio, a Deus-dará, sem qualquer preparo e recurso pra aceitar a situação de liberto...” (Angelos).
Realmente, o negro não foi convidado pelo governo, não teve assistência dos consulados, não recebeu terras, nem sementes, nem ferramentas e teve de enfrentar a vida, não apenas de órfão, mas desprovido de toda a humanidade.
Os resquícios dos Quilombos ou de outros marcos da população negra do nosso Estado.

BIBLIOGRAFIA:
-          Dante de Laytano – Folclore do RS
-          Verônica Monti – O Abolicionismo – 1884 sua hora decisiva no RS
-          Moacyr Flores e outros – Cultura Afro-Brasileira
-          Hélio Moro Mariante – o negro no Folclore do RS
-            Mário José Maestri Filho – O Escravo Gaúcho – Resistência e Trabalho
O Escravo no RS – A Charqueada e a Gênese do Escravismo Gaúcho
-          Adalberto Schimidt – Estudos Rio-Grandenses
-          Décio Freitas – Palmares, a Guerra dos Escravos e outros.
-          Danilo Lazzarotto – História do Rio grande do Sul
-          Igor Moreira – O espaço Rio Grandense

-          Orfelina Vieira Mello – A Contribuição do Negro na Formação do Rio grande do Sul

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