sexta-feira, 18 de abril de 2014

Vejamos um pouquinho de cada uma das raças indígenas que povoavam o RS:

GUARANI ou TUPI-GUARANI
Os guaranis, vindos do Paraguai há mais de 2 mil anos, conquistaram o vale do rio Uruguai, subindo pelos seus afluentes. Pelo vale do rio Ibicuí, atingiram a depressão do rio Jacuí e seus afluentes. Dividiam-se nas parcialidades nhandeva, mbyá (avá mbyá e cainguá) e cayowa. O grupo mbyá habitava o território que seria o RS. Na época da evangelização, os missionários jesuítas chamavam de Tape (Tapes) a região entre os rios Jaguari, Uruguai e Ibicuí. No século XIX, este topônimo deslocou-se para junto da Laguna dos Patos. Os Tapes eram indígenas guaranizados que habitavam a antiga região do Tape.

O Guarani é o grupo formado pelas comunidades ou tribos indígenas dos Tapes, Arachanes, Carijós, Patos (ocupavam a planície litorânea). É considerado de caráter brando, dócil e pacato, porém, indolente e imprevisível e por isso, definido como guerreiro e primeiros agricultores do RS. Superavam a fadiga, a doença, a dor e a morte sem lágrimas ou gemidos. Apesar da variedade de dialetos, a língua comum era a tupi-guarani.
O guarani caracterizava-se pelo nhade reko* e pelo teko hã*, em relação ao espaço geográfico, formado pela tetami*, coty ou oga*, cõ*, chapecó* e caá*.
Acreditava que, quando o mundo surgiu haviam recebido de Amambaé, Deus criador da “terra do homem”.
Vivia em aldeias e numa aldeia viviam vários clãs. Cada aldeia era formada por várias casas dispostas em círculo por ordem de clã e protegidas por uma paliçada de trocos, chamada de caiçara*. Cada casa de forma alongada, com uma porta para os homens e outra para as mulheres, sem divisão interna e abrigando os membros de um mesmo clã. No centro da tetami, ficava a ocara*, onde aconteciam as festas religiosas. Dormiam em rede, guardavam objetos em jiraus, sentavam em banquinhos ou em esteiras, guardavam líquidos e grãos em potes de cerâmica ou em porongos.
O Guarani habitou a região leste do rio Uruguai, as serras do planalto rio-grandense, incluindo a região dos Sete Povos das Missões, além da laguna dos Patos e grande parte do litoral. Essas áreas apresentavam grande variedade de espécies, proporcionando boa caça e coleta. Preferiam as margens dos grandes rios como Jacuí e Uruguai e seus afluentes e a clareira das matas, porque o solo é fértil e favorável ao cultivo. Por viverem nas regiões dos grandes rios, eram exímios canoeiros e as embarcações eram chamadas de ubás* e pelota*.
A economia baseava-se na caça, pesca, coleta de frutos e plantas nativas comestíveis e agricultura especializada em clareiras abertas pela coivara*, proporcionando uma alimentação diversificada.
coivara*: queimada da vegetação, a fim de limpar e adubar o terreno para o plantio.
Suas aldeias eram construídas próximas às margens dos rios, o que lhes ajudava nas tarefas da pesca e da agricultura. A saúde era cuidada, através da coleta de ervas medicinal.  Praticavam a coleta da erva-mate, chamada de caá-iari*, com a qual tomavam o mate, chamado de caá-iró*.
O puxirum ou mutirão era o trabalho em grupo para ajudar na construção de uma roça ou de uma casa. Os homens dedicavam-se à caça, à pesca e à guerra. Pescavam com redes, flechas, anzol de osso, puçá e timbó. A caça era comunitária e o matador do animal repartia a carne entre os demais participantes. Enquanto durava a caçada, o pajé (Caraí ou Xamã)* permanecia em transe,para proteger os caçadores. Armava-se de arco, flecha, lança, tacape, zarabatana e boleadeiras fabricadas pelo homem, que também era responsável pelo fabrico das canoas (ubás e pelota);  preparar a coivara*, limpar o  solo para a plantação. Usavam várias clareiras em estágios diferentes de plantação, maturação e colheita, deixando sempre uma como capoeira* para o solo se recuperar.  Á mulher tinha de semear a terra para cultivar milho, feijão, abóbora, batata-doce, mandioca, amendoim. Plantavam fumo e algodão e com este (algodão), fiavam, teciam e fabricavam esteiras e redes, onde dormiam. Embora trabalhassem em grupo, cada família tinha sua plantação. 

Eram grandes artesões em cerâmica, utilizando a argilado solo, como o qual a mulher fabricava igaçaba* e potes de barro, que serviam para guardar alimentos e carregar água, inclusive para molhar as plantas, garantindo a colheita.
O nhanderu ou pajé* era encarregado de transmitir o teko yma*, porque os mbyás executavam todos os atos do quotidiano com o ritualismo que mantinha a ordem cósmica, como a pintura corporal, poligamia*, couvade*, a saudação lagrimosa, a educação dos filhos, os sonhos proféticos, a antropofagia e o puxirum ou mutirão.
Os clãs estavam divididos em metades. Os chefes de clã, com os chefes das metades e o nhanderu* participavam do Conselho Tribal da aldeia que, reunidos, decidiam sobre os assuntos mais importantes para a tribo, como a migração, caçada, pesca, guerra e paz. Havia também morubixaba* ou tubichá*, chefe e responsável por manter a ordem na aldeia, sendo um elemento de conciliação. O taxauá* era o chefe provisório, mandava temporariamente durante a caçada, ataque bélico ou pescaria, enquanto que o pajé* cheirava o pó da erva-mate para obter poderes sobrenaturais e por sua magia, tinha grande influência na aldeia.
Os homens se adornavam mais que as mulheres, tatuando e pintando o corpo, usando colares, pulseiras de sementes, contas, dentes de animais, ossos e plumas. Furavam o lábio inferior, colocando um “tembetá” ou “batoque”*. A pintura corporal tinha significados simbólicos e característicos de cada clã, metade de clã, sexo, idade e posição no grupo.
O casamento era monogâmico* e a poligamia era usual apenas entre os chefes, que precisavam de mulheres que trabalhassem para dar comida e objetos a seus subordinados, mantendo assim a chefia.
Os homens entregavam suas mulheres a outros homens em troca de objetos ou em penhor de uma aliança. Esse costume facilitou a mestiçagem com os brancos.
Couvade ou choco era o ritual de proteção ao recém-nascido. Quando a mulher dava à luz, o homem não comia carne durante 15 dias, ficando de resguardo na rede. A mulher tinha o filho sozinha, cortava-lhe o cordão umbilical, banhava o recém-nascido e depois entregava- o ao marido, que esperava na rede. Se ele pegasse a criança, estaria reconhecendo-o como filho. A mulher ia logo trabalhar na roça a fim de enganar os maus espíritos, que poderiam se apossar da criança. Era também uma maneira de selecionar as mulheres mais resistentes.
Quando chegasse um hóspede na aldeia guarani, as mulheres praticavam a saudação lacrimosa, o recém chegado sentava na rede, enquanto as mulheres choravam com grande alarido e depois enxugavam as lágrimas e davam as boas vindas ao viajante.
O menino até 8 anos ficava junto com a mãe, depois ia para a casa dos homens, quando passava a aprender com o pai a pescar e a caçar. A menina permanecia junto à mãe. Após a primeira menstruação tinha liberdade sexual, desde que seus parentes fossem indenizados. Não batiam, não gritavam e nem castigavam os filhos. Acreditavam que um banho frio pela manhã prolongava a vida. Banhavam-se várias vezes ao dia.
Ao acordar, o guarani contava seus sonhos, em busca de uma interpretação, pois acreditava que eles eram proféticos.
Gostavam muito de música e danças. As danças guerreiras ou religiosas (festas) chamavam-se “poracés”. Fumavam cachimbo nas festas religiosas ou rituais religiosos. Confeccionavam seus próprios instrumentos musicais como membi*, maracá*, guarara*, com material retirado da própria natureza, como cabaças, cascas, ossos, paus ocos e outros. Embora não sejam considerados cruéis, praticavam a antropofagia em ritual, comendo prisioneiros de guerra por ato de vingança, não escapando velhos, mulheres e crianças. Acreditavam em grande quantidade de espíritos bons e maus, por isso eram politeístas. Adoravam as forças da natureza: vento, trovão, chuva. O chefe religioso era Tupã*, deus do bem, que tentava curar os doentes, sendo o deus mais importante e considerado o criador do relâmpago e trovão.
Também considerava outras divindades como Anhangá*, Uirapuru*, Iara*, Guaraci* e Jaci*, Pagé*, também chamado de “Caraí” ou “Xamã cheirava o pó da erva-mate para obter poderes sobrenaturais. Algumas parcialidades enterravam seus mortos em igaçaba*, acreditavam que o “ang”ou “anguera”, a alma do morto,  poderia escolher três caminhos: reencarnar numa criança, que nascia; encostar-se em alguém ou seguir para o paraíso de “Monan”, onde não faltaria calor, caça e água. Acreditava na existência de um paraíso na terra, o Yvi Maray*. A terra era imperfeita e novamente seria destruída pelo fogo e pelo dilúvio, salvando apenas o Yvi-maray*. Os guaranis migravam constantemente em busca da terra perfeita.
Sua teogonia* estava formada pela trindade Monan*, o Deus criador e pai de maíra-monan, que os homens queimaram numa fogueira e de sua cabeça saiu o trovão (Tupã), que, por vingança, queimou com fogo  o céu e a terra imperfeita, salvando-se apenas Irin-majé*, que junto com sua esposa povoou a terra. Em outra versão, Irin-Majé* é a chuva, filho de Monan que fertiliza a terra. O duplo de Monan é Sumé*, o civilizador, que ensinou a agricultura. Na segunda versão, Sumé é filho de Irin-Majé*.
Estes deuses também tinham o seu mair-puxi*, reunindo o negativo e o positivo, que existem em cada pessoa.De “Sumé” nasceram os gêmeos “Aricoute”, o filho mau e ciumento, que mandou o dilúvio, e “Temendonaré”, o filho bom que deu nome às coisas que Monan criou e ensinou os homens a sobreviverem na grande enchente, refugiados encima de palmeiras. Outra versão afirma que se salvou um índio e sua irmã grávida, no alto de uma palmeira, dando origem a humanidade. Acreditavam também em gênios como Yurupari ou Jurupari*, Caapora ou Caipora*, Curupira, Uiara ou Iara e Anhangá*.Estas semelhanças religiosas com a Igreja Católica, tais como missa para os mortos, crença nas almas, trindade divina, paraíso no céu, facilitaram o trabalho de catequese dos missionários, de quem foram grandes parceiros, no período em que os espanhóis tentaram ocupar nosso território. As reduções jesuíticas transformaram-se no Yvi-Maray*, protegendo os índios contra a escravidão dos portugueses e espanhóis.Os guaranis históricos desapareceram lentamente do RS, pelos ataques dos bandeirantes, pela guerra guaranítica, pela escravidão imposta pelo governo militar espanhol nas reduções depois da expulsão dos jesuítas, pelo recrutamento militar e pela mestiçagem forçada das mulheres com os homens brancos.O Guarani, especialmente do grupo Tape, foi o elemento básico na formação das Reduções e dos Sete Povos das Missões.Em 1756, com a Guerra Guaranítica, portugueses e espanhóis invadiram os Sete Povos. Em 1757, levaram 700 famílias guaranis para Rio Pardo, que foram assentadas nas aldeias de São Nicolau de Rio Pardo, São Nicolau de Cachoeira e, em 1762, na de Nossa Senhora dos Anjos (Gravataí).Após a expulsão dos jesuítas, em 1768, aos poucos suas terras foram sendo tomadas, seu gado roubado e sua população dizimada.Alguns poucos se integraram à sociedade rio-grandense como peões de estância e as mulheres foram esposas de portugueses, que se tornaram troncos de famílias gaúchas tradicionais. Em 1801, com a invasão luso-brasileira nos Sete Povos, os guaranis se dispersaram pelo RS, Uruguai e Argentina, trabalhando como peões, tropeiros e artesões.
Da cultura guarani, quase nada sobrou, a não serem alguns nomes geográficos, o costume do tradicional chimarrão, o uso de vocábulos como aroeira, capim, capivara, capoeira, cutucar, cipó, cuia, guri, peteca, taquara, araçá, biboca, caboclo, capim, tatu, piá.O guarani existente atualmente no RS chegou ao final do século XVIII, corrido pelos cafeicultores de São Paulo e pelas frentes de colonização no Paraná e Santa Catarina. Alguns grupos menores são oriundos do Paraguai.Segundo Alvar Nunez Cabeza de Vaca, desde a fundação de Assunção, no Paraguai, os guaranis forneceram alimentos e suas mulheres aos espanhóis, porque queriam aliados fortes para combater seus inimigos. Os Guaranis eram inimigos de outras parcialidades indígenas por causa de seu ritual antropofágico. O fato da economia dos guaranis ser principalmente agrícola facilitou aos padres missionários reuni-los em reduções para a evangelização.
Atualmente, existe um grupo muito reduzido de guaranis no toldo da Guarita, em Tenente Portela, além de outras localidades.
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GLOSSÁRIO:
nhade reko*: modo de ser                                                          
teko hã*: onde se vive.
tetami*: aldeia                                                                               
coty ou oga*: casas
cõ*: roças                                                                                      
chapecó*: caminhos 
caá*: mato                                                                                     
caiçara*: cerca de troncos, paliçada.
ocara*: praça central.           
ubás*: canoas para várias pessoas.
pelota*: para uma única pessoa.
poracés: danças guerreiras ou religiosas.
membi*: flauta.
maracá*: chocalho.
guarara*: tambor.
Anhangá*: deus do mal, protetor da caça.
Uirapuru*: protetor dos pássaros.
Iara*: protetora dos rios.
Guaraci*: sol.
Jaci*: lua.
pajé* ou Caraí” ou “Xamã”: chefe espiritual dos índios, misto de feiticeiro e médico, piaga.
Yvi Maray*: paraíso, terra sem males.
teogonia*: conjunto de divindades, cujo culto forma o sistema religioso de um povo.
Monan*: deus criador e pai.
Irin-Majé*: chuva e filho de Monan.
Sumé*: deus civilizador que ensinou a agricultura, pai de Aricoute e Temendonaré.
Tupã*: deus do bem, tentava curar os doentes, sendo o deus mais importante e considerado o criador do relâmpago e trovão.
mair-puxi*: lado mau e destruidor      

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