Vejamos
um pouquinho de cada uma das raças indígenas que povoavam o RS:
JÊ OU TAPUIA
Antes da invasão guarani, os índios da nação
Jê ou Gê, ocupavam quase todo o território do RS. A partir do século XVI,
estavam confinados no norte e nordeste, nas terras mais altas do planalto
meridional (rio-grandense), na região dos campos de cima da serra e florestas
com pinheiros (araucária), especialmente na encosta da serra, onde o clima é de
invernos rigorosos e verões quentes e curtos. É o grupo, raça ou (nação) que os
brancos denominaram de bugres, cujos remanescentes são chamados de Kaingang.
O povo Jê esteve formado pelas tribos Guarás,
Guaianás, Coroados, Pinarés, Botocudos, Ibijaras, Caaguás, Gualachos, Bugres.
Acredita-se que sejam descendentes dos mais antigos caçadores do interior. Os
botocudos habitavam o litoral e a região dos aparados da serra e eram
adversários ferrenhos dos coroados.
Na região onde atualmente se localiza São
Francisco de Paula (próximo a Gramado Canela, Cambará do Sul), viviam os
caaguaras, que os índios guaranis chamavam de “iraiti-inhacame” ou “cerados”
porque usavam cera na cabeça. Sua região era denominada de Caágua e
atualmente constitui-se nos Aparados da Serra. Falavam aos gritos e
assovios, razão pela qual, os padres não conseguiram escrever seu idioma. Os
iraiti-inhacame ou cerados combatiam constantemente os portugueses e os
ibirayaras, que os escravizavam, porém fizeram amizade com o Padre Cristóbal de
Mendonça. Foram dizimados pelos bandeirantes. Na larga faixa dos ervais
naturais, que descia obliquamente na direção noroeste ao sudeste, até abaixo
das terras onde hoje está Porto Alegre, estavam os Gê guaranizados, pelo
contato com os guaranis de Corrientes (Argentina) e do Paraguai. Ao sul e
sudeste, moravam seis parcialidades distintas entre si, bem como algumas
subdivididas, porém todas conservavam traços comuns, como os índios da tribo
Mbaias: perfeito prolongamento da geografia humana dos Pampas argentinos, tanto
que, como os Pampeanos, logo se tornaram grandes cavaleiros.

Os coroados, fugindo dos brancos e dos
inimigos botocudos, construíam seus ranchos no alto dos morros, no meio dos
pinheirais.
Os jês dedicavam-se a guerra, a caça e a
pesca, praticavam a agricultura rudimentar, cujas atividades agrícolas eram
divididas por sexo.
Pela coivara*,
o homem preparava a terra para o plantio, enquanto que as mulheres semeavam e
plantavam o milho, a mandioca, a abóbora e a batata-doce e cuidavam da
colheita.
Por morarem na zona da mata da araucária,
coletavam frutos, mel e sementes como o pinhão, além dos frutos silvestres, que
eram carregados para aldeia em cestas de fibras vegetais, confeccionadas pelas
mulheres.
No outono, o casal coletava o pinhão que, em
estado natural ou transformado em farinha com pilão, era guardado seco e
constituía a base de sua alimentação. A coleta do mel era comunitária, cada
homem recebia uma vasilha de outra família. No fim da tarde, os homens se
reuniam junto da aldeia, entrando todos ao mesmo tempo e entregando o mel à
dona do pote.
A terra pertencia à comunidade e o território
para a caça era demarcado, sendo organizada em grupo e realizada só pelo homem,
tendo o cuidado de matar apenas os machos e mudar de lugar a cada dois anos. Os
jês matavam quem entrasse armado em seu território de caça e por isso, reagiram
contra os alemães e italianos que matavam os animais indiscriminadamente e por
esporte.
Trabalhando com diversas fibras vegetais
retiradas das florestas tornaram-se exímios cesteiros. As mulheres aproveitavam
o material disponível na região, como as fibras vegetais usadas para
confeccionar cestos (utensílios), o caraguatá usado para tecer túnicas a serem
usadas pelas mulheres. Os homens usavam rochas, para fazer o machado, tacapes,
além de ossos e madeira. Por isso também foram considerados “índios artesões”.
Os Gês puros portavam grandes arcos, longas
lanças e bordunas* e por isso foram
chamados de “ibirayaras”, que quer
dizer “senhor do pau”.
Organizavam-se em dois clãs exogâmicos: o
clã da lua era de guerreiros e o clã do sol, dos caçadores que
utilizavam enormes tacapes. O clã da lua dividia-se em duas metades:
votoro e canheru. O clã do sol também era formado por duas metades: aniqui
e camé. O pai escolhia o clã da criança a fim de manter o equilíbrio entre
os clãs, necessário para o ritual religioso. O casamento devia ser feito com
pessoa de outro clã. Admitia-se a poligamia*
e, por vezes, a poliandria*. O pai
era considerado o único responsável pelo nascimento do filho e fazia couvade ou choco*, quando este nascia.
O grupo realizava o controle social punindo o
homem faltoso com a expulsão temporária da choça comum ou designando-lhe
tarefas femininas. A mulher faltosa era entregue a outro homem como punição. A
mulher jê até hoje é mais agressiva que o homem, chegando a bater no marido,
que não reage. Os jês cuidavam da limpeza corporal e enfeitavam-se com penas,
penteados complicados, pinturas corporais. Os homens furavam o lábio inferior
para o uso do tembetá* ou do “batoque”.
Eram dirigidos por um chefe feiticeiro. O
pajé exercia diversas funções no grupo, tais como a política, a religiosa e a
de cura, por isso, quando o grupo tinha de guerrear ou caçar aguardava as
ordens do pajé, que consultava as divindades. Ao ganharem as batalhas,
preferiam escravizar os inimigos e não matá-los.
As tribos Gês puros faziam aliança de guerra
e o cacique que pretendia a aliança mandava o Hieroquara* visitar as tribos levando um punhado de flechas.
Chegando à aldeia que devia visitar, o Hieroquara dançava diante do chefe e ao
final da dança lhe oferecia uma das flechas. Se o chefe a aceitasse, estava
selada a aliança.
Muitas vezes o Gê puro fez pacto com o
bandeirante para combater o jesuíta espanhol, a quem odiava. Segundo Antônio
Augusto Fagundes, há informações de que o ibirayara praticava a antropofagia
ritual, o que, provavelmente, seja falso.

Os homens usavam uma cinta larga, em volta
dos quadris, formada de cordões das fibras de tucum ou da urtiga brava. As
mulheres usavam uma espécie de matos de fibras vegetal e seu arauto*, o Hieroquara*, foi descrito usando um colete de pele de anta. De
resto andavam nus da cabeça aos pés.
Os Jê foram resistentes à tentativa dos padres jesuítas de torná-los cristãos, bem como a que seus domínios fossem povoados, enfrentando os grupos humanos europeus, portugueses, alemães, italianos, poloneses, durante muito tempo, até por volta de 1850. Assaltavam as casas dos povoadores e tropeiros que desciam a Serra Geral. Nestas viagens, a única defesa dos brancos era o próprio animal, a mula, que sentia a aproximação dos índios, empinava as orelhas, assoprando e recusando-se a prosseguir o caminho.
Os assaltos dos indígenas as moradias dos
pioneiros e aos tropeiros motivaram o surgimento dos bugreiros*, provocando o vazio demográfico nas trilhas das tropas
de gado. O mais famoso bugreiro foi
José Domingos Nunes de Oliveira, do Mato Castelhano, no atual município de
Passo Fundo.
Os jês foram dizimados pelas epidemias de
origem européia e africana, pela ação dos bandeirantes e bugreiros nos séculos
XVII e XVIII e depois pelos Povos das Missões, que incorporaram alguns. Poucos
chegaram a te nós.
Levas de índios, corridos pelos cafeicultores
de São Paulo, chegaram ao RS, no século XIX, ocupando as matas do rio Uruguai.
Novamente, foram dizimados pelos brancos, pois suas terras foram divididas e
entregues aos imigrantes europeus (italianos – 1875), que contrataram bugreiros
para eliminá-los, pois precisavam ocupar as terras, que haviam comprado do
governo.
CAINGANG
Em 1882, Telêmaco Morocines Borba agrupou os
descendentes dos índios Jê, ou seja, todos aqueles que não eram descendentes
dos guaranis, denomindo-os de Caingang, que significa “moradores
do mato” (Kaa = mato, ingang =
morador), em 1882.
Ainda hoje, há indígenas Caingang (Kaingang)
no RS. Com o passar do tempo, muitos de seus costumes sofreram adaptações. As
mulheres têm posições iguais a dos homens e participam da vida do grupo em
geral e até dos negócios.
O Caingang tem grande conhecimento da
vegetação, que é transmitido de geração a geração. Conhecem tanto o valor
nutritivo das plantas quanto seu uso medicinal e gostam de comidas
tradicionais, como o pixé* e a
“comida do mato”, verduras desconhecidas por nós como o fuá, o purfé, o cumin,
etc e tomam chimarrão. Em sua habitação, o fogo de chão é conservado
aceso. Quase nenhum traço da cultura Jê
passou para a nossa cultura. Houve, porém acentuada miscigenação nos toldos.
O Caingang é o único grupo sobrevivente da
família Jê e ainda conserva muitos de seus traços culturais. Cultiva antigos
valores que podem nos servir de exemplo: o respeito à terra, à criança e ao
idoso; a distribuição democrática do poder com a escolha dos caciques pela
comunidade. Atualmente, habita as terras situadas no norte e nordeste do RS,
nos atuais toldos de Guarita, Inhacorá, Tapejara, Cacique Doble, Santo Augusto,
Nonoai, Erechim, São Valentim, Miraguaí, Ligeiro, Carreteiro, Água Santa e
Votoro. Muitos deles vivem fora das reservas.
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Glossário:
Intuir*: concluir por
intuição
coivara*: queima de ramagens
para limpar o terreno e as cinzas serviam para adubar a terra e finalmente
ocorrer o plantio.
bordunas*:
cacete
de madeira usado pelos índios jês.
poligamia*:
tem
mais de um cônjuge ao mesmo tempo.
poliandria*:
vários
homens casam-se com uma mulher ou têm posse dela.
couvade
ou choco*:
dietas e repousos após o parto.
Tembetá ou
batoque*: objeto não flexível que
os índios introduzem num furo praticado no lábio inferior.
Hieroquara*:
mensageiro
de guerra entre os índios jês.
acupli*: alma do morto
arauto*
: pregoeiro,
mensageiro de paz, de guerra.
bugreiros*:
profissionais
que recebiam pagamento por índio morto.
pixé*: um pão assado nas
cinzas feito de farinha de milho
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